Mapa da viagem de Marco Polo
For / Para
Don Grusin
Joaquin Munoz
Jon & Jerrie Hurd
Liz Weir
Maddalena Falucchi (in memoriam)
Oscar Castro-Neves (in memoriam)
and Patch Adams
In the loving memory of my father, who learnt about
Marco Polo and the Blue Princess when he was living in Iran.
Em memória de meu pai, que conhecia a história de
Marco Polo e a Princesa Azul quando viveu no Irã.
Para Paulo Mauad compor sua opereta
Marco Polo e a Princesa Azul.
MARCO POLO
(1)
A VIAGEM
Embalo-te
com amor de menino
e me ponho a teus pés,
fervor contrito
e ileso,
mãos tépidas e febris,
respiração arqueada e frágil.
Seguro teus dedos entre os meus
e oro por teu suspiro, teu olhar.
Minha mãe, olha teu filho,
e abençoa a viagem
que estou por começar.
Avenida Rio Branco, Centro, 30/05/2001 – 16h35
(1)
THE TRIP
I embrace you
lovingly as a boy
and kneel at your feet
in contrite and unhurt
devotion
tepid and feverish hands
bent and fragile breathing.
I hold your hand in mine
and pray for your sigh, your gaze.
Mother, look upon your son
and bless the trip
I’m about to begin.
Rio, May 30, 2001 – 4:35 p.m.
(2)
A DESPEDIDA
Aperto contra o peito
a minha aflição.
Partes e levas contigo
todas as minhas canções de ninar.
As noites que passei em claro
te carregando ao colo,
soluçando com teu choro,
apascentando teu sono.
Partes e me deixas
com as vestes puídas
do carinho com que te embalei
por tantos anos a fio.
A lentidão dos passos
a atravessar o quarto,
todos os caminhos
que te ensinei.
Meu filho, tão jovem e destemido,
segue agora o mesmo destino das folhas
– de deixar os galhos e voar além.
Cubro-te com meus beijos
e meus lábios selam meu silêncio.
Tu, que és minha voz,
levarás também meu coração.
Meus olhos poderão não voltar a ver-te,
mas estarei contigo,
em tua pele, em teu âmago:
comigo.
Café Odeon, Cinelândia, 21/06/2001 – 16h35
(2)
THE FAREWELL
I press the anguish
against my chest.
You’re leaving and taking
all my lullabies with you.
The sleepless nights
I’ve spent carrying you
against my shoulder,
weeping with you,
soothing your slumber.
You leave me
with worn-out clothes
after holding and caressing you
for so many years.
Slow paces roam
across the room,
paths I taught you as a boy.
My son, so young and so brave,
has the same destiny of the leaves
– blown away from the branches.
I kiss you and my lips seal my silence.
You, who are my breath,
will also take my heart.
My eyes might never see you again,
but I’ll be with you,
in our skin, in your soul:
always me.
Café Odeon, June 21, 2001 – 4:35 p.m.
(3)
A PARTIDA
Parto, sem saber se retorno.
Não conheço os caminhos,
me leva a mão de meu pai.
Não sou mais menino,
minha mãe já perdi,
me conduz o destino que escolhi.
Cruzar terras e oceanos,
que missão sagrada nos aguarda!
Levar o óleo do Santo Sepulcro
para ungir o Imperador.
A Terra Santa, Índia e China,
nada nos deterá,
enquanto pudermos caminhar.
Botafogo, 15/07/2002 – 23h45
(3)
THE DEPARTURE
I’m leaving and I don’t know if I’ll ever come back.
I don’t know the way,
my father takes me by the hand.
I’m no longer a boy,
my mother is dead,
this is the destiny I chose.
To cross land and ocean,
what a sacred mission awaits us!
to take the oil from the Saint Sepulcher
to anoint the Emperor’s head.
The Holy Land, India and China,
nothing will keep us,
as long as we can stride.
Botafogo, July 15, 2002 – 11:45 p.m.
(4)
A ÁRVORE DA SOLIDÃO
E fui, a um tempo,
coisa visitada e erma,
árvore solitária, seca,
tudo o que foi e já não é.
Abandonaste, fugidio e breve,
as fábulas de areia e pranto,
todo fausto edificado em ruína,
torres soterradas de palácios,
onde houve vida.
Erguem-se os montes
ao avançarmos em viagem,
beduínos e camelos claudicantes,
ressecando ao estupor do sol.
Haverá o oásis?
Copacabana, 25/07/2001 – 13h35
(4)
THE SOLITUDE TREE
I have been, at a time,
well-known and wild,
a dry, solitary tree,
everything that has been and no longer is.
You’ve abandoned, transient and brief,
the sand fables and wailing,
all pomp turned into ruin,
buried palace towers,
where life had bloomed.
The mounts top
as we travel forward,
Bedouins and limping camels,
parching under the blazing sun.
Is there the oasis?
Copacabana, July 25, 2001 – 1:35 p.m.
(5)
A ODALISCA
Meus pés têm guizos
que movem meus passos.
Danço para ti
sobre o tapete
entre almofadas de Damasco.
Retiro os véus de seda dourada
e vou-me despindo ao ritmo
de tambores e gaitas
e teu olho me percorre
a extensão da pele,
me atiça, me acende,
e me movo mais
para fazer dançar
tuas pupilas,
tuas sobrancelhas alteadas,
tua boca semiaberta,
teus dentes úmidos
se deleitando
com os bicos dos meus seios.
Como será teu beijo?
À distância,
amo teus lábios
que me beijam.
Ipanema, 16/08/2001 – 4h30
(5)
THE ODALISQUE
My feet have tiny ball-bells
that move with my steps.
I dance for you
on the carpet floor
between Damask cushions.
I shed the golden silk veils
and undress myself at the rhythm
of drums and pipes,
and your eyes run
along my skin,
inciting me, exciting me,
and I move on,
to make your eyes
dance,
your curved eyebrows,
your slightly opened mouth,
your humid teeth,
enjoying
the tips of my nipples.
What’s the taste of your kiss?
At a distance,
I love
your kissing lips.
Ipanema, August 16, 2001 – 4:30 a.m.
(6)
A CORTESÃ
Dele fui
a vinha
a escorrer
as gotas roxas sobre
a pele.
Fui a companhia
e a dama,
a cortesã sábia
de outras épocas.
Fui entretida
e a anfitriã
a levar a passear
e a comer romãs.
Deitei-me para que ele se deleitasse,
dormia sem esperar revê-lo.
Pousei minha mão sobre sua testa,
eu, a impura.
Dele fui a ama
e a serva,
a adivinha e a ausente.
E o que será dele, agora que partiu?
Será o traço de uma letra,
a língua que não conheço,
a fábula encarnada,
a sede, a falta,
a luz de outra manhã.
Os dias serão tristes, porque ele se foi.
A sombra que não mais caminha,
a voz mescla-se aos murmúrios dos rios,
neblina em vez de rosto,
e eu, que dele fui a escolhida,
deixarei que esfriem as carnes,
sequem os casulos de seda,
quedem-se os frutos nas cestas,
e o horizonte fique estendido,
como os lençóis
sobre meu leito vazio.
Rio, 18/08/2001 – 3h15
(6)
THE COURTESAN
I was
the vine
spilling
purple drops
on his skin.
I was his companion
and his lady,
a wise courtesan
of olden times.
I was his guest
and his hostess,
taking walks with him,
and eating pomegranates.
I lay down so he could lie beside me,
I slept without knowing if I’d see him again.
I put my hand on his forehead,
I, the impure one.
I was his mistress
and his servant,
the fortuneteller and the absent.
And what was made of him, now that he’s gone?
He’ll a letter,
a language I never spoke,
an embodied fable,
the thirst, the lack,
the light of a new dawn.
The days are sad, now that he’s gone.
A still shadow,
a voice mixed with the trickling of the river,
haze over a face
and I, the chosen one,
will wait till my flesh cools down,
the silk bolls dry,
the fruits lay in the basket,
and the horizon stays still
like the sheets
over my empty bed.
Rio, August 18, 2001 – 3:15 a.m.
(7)
A IMPERATRIZ
Não és rei, mas reinas.
São tuas as planícies
e os rios,
as montanhas e os picos
nebulosos, os vales
cortados por estradas,
que atravessas, incólume.
São teus os tesouros
que carregas,
as cartas, documentos e livros.
És emissário de todas as terras,
nobre sem cetro nem coroa.
Tua palavra é a verdadeira.
Tuas histórias são as que ouço.
Dize-me: o que não me contas?
O que sabes que guardas
só para ti?
São teus os meus olhos
e teus, os meus cabelos.
És o dono e não vês.
Praça XV, 15/01/2002 – 18h25
(7)
THE EMPRESS
You’re not a king, but you rule.
Yours are all plains
and rivers,
the mountains and cloudy
peaks, valleys
cut by the roads,
which you cross, unharmed.
Yours are all the treasures
you carry,
all letters, papers and books.
You, the messenger of all lands,
a royal without crown and scepter.
Your word is trustworthy.
Your stories are the ones I listen to.
Tell me: what don’t you tell me?
What do you keep
to yourself?
I only have eyes for you.
You’re my master,
but you can’t see.
Praça XV, January 15, 2002 – 6:25 p.m.
(8)
A CARTA DE SUMATRA
Não me abandones à míngua de tua ausência,
sem ter tuas mãos como cais
de uma terrível tempestade.
Não me faças sentir medo de perder-te,
porque só em ti encontrei abrigo.
Tens em mim a nau mais segura
para as viagens que ainda não fizeste.
O vento inconstante não secará minhas lágrimas.
Não partas sem me levar contigo.
O horizonte não suportaria toda a dor.
E o tempo, que passa sem nada perguntar,
só responde que jamais haverá tamanho amor.
Rio, 20/07/2001 – 10h00
(8)
LETTER FROM SUMATRA
Don’t let me die in your absence,
holding to your hands as a quay
after a dreadful tempest.
Don’t let me fear losing you,
as I can only feel at home with you.
You find the safest ship
for your next trips in me.
The inconstant wind won’t dry my tears.
Don’t leave me behind.
The horizon wouldn’t bear the pain,
and time that goes by without asking,
says there’ll never be a love as big.
Rio, July 20, 2001 – 10 a.m.
(9)
A MULHER DE ORMUZ
Meu amor é pouco para teus vãos.
Debruçada sobre teu oráculo, choro
a saciar teus presságios,
música ouvida na concha de tuas mãos,
te agarro os dedos,
me tocas,
vertemos juntos nossos densos oceanos,
todas as águas convergem, te possuo,
onde mais sei de teus mistérios,
e nado tuas vertigens.
Jardim Botânico, 24/07/2001 – 20h30
(9)
THE WOMAN FROM ORMUZ
My love is too little for your voids.
Looking into your oracle, I weep,
sating your presentiments,
the music in the hollow of your hands,
I grasp your fingers,
you touch me,
together we pour our dense oceans,
all waters converge, I take you,
knowing your mysteries,
and swimming your abysses.
Jardim Botânico, July 24, 2001 – 8:30 p.m.
(10)
A PRINCESA AZUL:
“TÃO LINDA QUANTO O CÉU”
Deixei o conforto de meu palácio,
o carinho de minha ama,
as vestes ricas e o colo de minha mãe.
Serei feliz aonde me levas?
Meus lábios não conhecerão teus beijos,
minhas mãos não tocarão tuas faces,
mas meus olhos jamais te esquecerão.
Serei feliz aonde me levas?
Serei uma rainha persa,
serei amada por outros súditos,
terei ouro e turquesas, mas
serei feliz aonde me levas?
Me contas tuas histórias,
tuas viagens e travessias.
Ouço tuas aventuras
e acredito em ti.
Toma meus presentes,
a tiara dos meus cabelos,
meu pente dourado,
o anel de jade e prata.
Guarda contigo o reflexo do meu espelho.
Olha a noite estrelada
e saiba que te visito em sonhos.
Sou tua princesa antes que me abandones.
Deixarei o navio com meus baús selados,
serei levada à casa de meu senhor.
Poderei viver quase cem anos, mas,
serei feliz aonde me levas?
Escreverei cartas, tecerei mantos,
guardarei o aroma das horas que passei contigo,
ouvirei as conchas na praia,
e te deixarei partir, pois
serei feliz aonde me levas.
Copacabana, 16/07/2001 – 2h52
(10)
THE BLUE PRINCESS:
“AS BEAUTIFUL AS THE SKY”
I left the coziness of my palace,
the care of my maids,
my rich garments and my loving mother:
Shall I be happy where you are taking me?
My lips will never know your kiss,
my hands will never touch your cheeks,
but I’ll never forget the sight of you.
Shall I be happy where you are taking me?
I’ll be a Persian queen,
I’ll have new loving subjects,
I’ll have gold and turquoise, but...
Shall I be happy where you are taking me?
I listen to your stories,
about your trips and travels.
I listen to your adventures
and take your word for it.
Here are my gifts to you,
my tiara,
my golden comb,
my jade and silver ring.
Keep my reflection in the mirror.
Look at the starry night,
and know I’ll come to visit you in your dreams.
I’m your princess before you leave me.
I’ll leave the ship taking my trunks,
I’ll be taken to my master’s home,
I may live up to a hundred years, but...
Shall I be happy where you are taking me?
I’ll write letters, I’ll knit mantles,
I’ll keep the odor of the hours
I’ve spent with you,
I’ll listen to the shells on the beach,
but I’ll let you go, because
I’ll be happy where you are taking me.
Copacabana, July 16, 2001 – 2:52 a.m.
(11)
A ESPOSA
Atravessaste rios e oceanos,
desertos infindáveis
em tua busca mais além.
Viste toda sorte de gente,
homens bizarros
e mulheres tatuadas.
Teus ombros suportaram
o calor e o frio,
tempestades de areia,
a cruzar montes e planícies.
Viveste mais do que
qualquer outro homem já viveu
e eu, que nada vi nem estive
onde estiveste,
sei de ti por tuas histórias,
sei de mim por amar-te
como és.
Voando de Newark, NJ-Boulder, CO, 6/04/2002 – 15h30 / Rio, 28/06/2002 – 20h15
(11)
THE WIFE
You’ve crossed so many rivers
and oceans, endless deserts,
searching beyond.
You’ve seen different
people, bizarre men
and tattooed women.
Your shoulders bore
heat and cold,
sand tempests,
crossing plains and mountains.
You’ve lived more than any
other has ever lived
and I who’ve never seen nor been
where you have,
learn about you by your stories,
and about me by loving you
as you are.
Flying from Newark, NJ to Boulder, CO, April 6, 2002 – 3:30 p.m. / Rio, June 28, 2002 – 8:15 p.m.
(12)
A FILHA
Das viagens que fizeste,
qual a mais bela?
Dos palácios e castelos suntuosos,
mulheres envoltas por véus,
homens de turbantes,
o imperador e todo o seu reino,
qual, dentre elas, foi a mais bela?
Navegaste tantos mares,
Viste tantos animais estranhos,
ilhas perdidas em névoa.
Dize-me, pai,
qual delas foi a mais bela?
O amanhecer na planície,
o anoitecer no deserto,
ou cruzar o mar sob as estrelas?
Que cidade visitaste
e nunca mais esqueceste?
Conta, pai, em que momento
começaste a sonhar
comigo?
Voando de Newark, NJ-Boulder, CO, 6/04/2002 – 15h48 / Rio, 28/06/2002 – 20h30
(12)
THE DAUGHTER
Among all your travels,
which was the most surprising?
Among all sumptuous castles and palaces,
women wrapped in veils,
men with turbans,
the Emperor and his big empire,
which was the most dazzling one?
You’ve sailed so many oceans,
seen so many strange animals,
so many islands lost in the mist.
Tell me, father,
which was the most wonderful?
The dawn over the plain,
the twilight on the desert
or crossing the sea under the stars?
Which city have you visited
and never forgot?
O tell me, father, when did
you start dreaming
about me?
Flying from Newark, NJ to Boulder, CO, April 6, 2002, 3:48 p.m. / Rio, June 28, 2002, 8:30 p.m.
(13)
O LEGADO
Retorno à terra que deixei
por tanto tempo em viagem.
Sobrevivi a intempéries,
ao medo, à incerteza.
Tudo era novo
e nos levava adiante.
Avançávamos sobre a terra,
deixando os passos para trás.
Voltei ao lugar que me concebeu,
e lhes devolvo o que me deram.
O mundo é imenso,
e está pronto para ser descoberto.
Digo-lhes: vão aonde não pude ir.
Lá haverá ainda mais riquezas.
Sigam seu destino,
e tracem com ele sua história.
O homem vence quando caminha.
Ainda assim,
não lhes contei
sequer a metade do que vi.
Voando de Newark, NJ-Boulder, CO, 6/04/2002 – 16h00 / Rio, 28/06/2002 – 20h45
(13)
THE LEGACY
I come back to the place I had left
for a long time during my travels.
I’ve survived rough weathers,
fear and uncertainty.
All was new
and pushed us ahead.
We traveled by land
leaving our tracks behind.
I came back to the place I was born
and now I give what I’ve received.
It is a huge world
and there’s much to be found.
I say: go where I haven’t been.
There you’ll find even more wealth.
Follow your destiny,
and make history after you.
Man strives as he walks on.
And yet,
I haven’t told you
half of what I’ve seen.
Flying from Newark, NJ to Boulder, CO, April 6, 2002 – 4:00 p.m. / Rio, June 28, 2002 – 8:45 p.m.